Resenha: The Leftovers

Título: The leftovers
Autor: Tom Perrotta
Editora: Intrínseca
Ano de publicação: 2011 nos EUA, 2012 no Brasil
Páginas: 317

Nota: 5/5

  
                     
The leftovers (os deixados para trás, em tradução livre), é um livro do escritor norte-americano Tom Perrotta. Publicado pela primeira vez em 2011, versa sobre a perda e como nós seres humanos não sabemos lidar com ela. O mote inicial da história é um evento chamado de Partida Repentina, onde 2% da população mundial desaparecem sem qualquer motivo aparente, deixando um rastro de acidentes e milhares de pessoas chocadas demais para seguirem suas vidas que antigamente aparentavam fazer algum sentido.
Logo emergem teorias que tentam buscar explicações para o fenômeno, e seitas passam a surgir como passarinhos no verão. A maior delas é a que se autodenomina Remanescentes Culpados, um grupo de pessoas que crê que aqueles que sumiram foram levados por Deus por serem pessoas iluminadas, e que o próximo passo após a Partida Repentina seria o fim do mundo, por isso elas entram em uma espécie de clausura e fazem voto de silêncio absoluto, saindo de seus acampamentos apenas para comunicar a todos que o mundo como existia acabara de morrer e todos precisavam se preparar para o momento final.
Uma das pessoas seduzidas pela mensagem dos Remanescentes Culpados é Laurie, esposa do prefeito recém-eleito da pequena cidade de Mapletoon, Kevin, e mãe de Tom e Jill. Após o sumiço de parte da humanidade, o seu filho mais velho, Tom, entra em desespero e passa a seguir Santo Wayne, fundador do movimento Abraço que Cura (outra seita surgida após a catástrofe). Apesar de Laurie não ter perdido ninguém na Partida Repentina (a pessoa mais próxima a ser levada foi a filha de uma amiga), o baque de ver seu filho abandonando a família e o fato de estar presenciando um evento de certa forma sobrenatural (logo ela que sempre foi agnóstica convicta), faz com que a sua vida simplória de classe média perca o sentido e a obrigue a se juntar a esse culto que aparentemente pode ressignificar o fiapo de existência que lhe sobrou.
Kevin, seu esposo, tenta continuar a vida da forma mais normal possível, mesmo após a partida de seu filho e de Laurie, mas a filha mais nova do casal, Jill, não sabe como reagir depois de tantas partidas (repentinas ou ocasionadas) e acaba entrando em uma espiral de autodestruição envolvendo drogas, sexo casual.
Outra personagem importante é Nora, que perdeu o esposo e os seus dois filhos. Completamente devastada, ela não tem ideia de como continuar sobrevivendo, pois teve tudo que lhe era precioso arrancado de suas mãos. Uma mulher que costumava ser forte e bem resolvida vê-se agora num mundo hostil, como um peixe que, da noite para o dia, descobrisse que não poderia mais viver no mar e seria obrigado a se adaptar com a vida na terra.
As histórias desses personagens vão se desenvolvendo e as dores surgidas são alargadas, enquanto as suas vidas se cruzam no território da pequena cidade de Mapletoon. Kevin, como prefeito, tenta trazer de volta ao local uma atmosfera de normalidade, mas nem ele mesmo sabe como tocar a sua vida em meio ao caos que se instaurou. Ninguém mais é como antes, todos se sentem inseguros, sem saber o que virá e como farão para seguirem com suas famílias e empregos.
A escrita de Perrotta é fria e crua como uma navalha, que rasga sem piedade a folha branca e expõe a humanidade de seus personagens sem nenhuma cerimônia. Os medos, anseios, inseguranças e dores são descritos como se o autor desferisse vários golpes no rosto de quem lê, sem meias palavras ou preparações. Conhecemos o íntimo de cada um deles e, em muitas ocasiões, nos identificamos e vemos nessas histórias a nossa própria vida.
The leftovers é, sem dúvida, um livro baseado no anticlímax. O principal não é o que acontece, mas como acontece e o que cada evento repercute no espírito de cada um. A própria Partida Repentina não é explicada, pois o objetivo do autor não é falar sobre escatologia ou sobrenaturalidade, mas perscrutar a alma humana e descrever situações em que somos pegos de assalto por aquilo que não podemos controlar. Mais ainda, Perrotta quer falar sobre como não são os eventos em si que importam, mas as impressões que eles deixam naqueles que os vivenciam. Nossas reações são o que significam e constroem as coisas do mundo em si, e é a rede que se estabelece a partir delas que definem a nossa vida.
Trata-se, definitivamente, de uma história forte e poderosa que nos cativa por expor a nossa fragilidade enquanto seres humanos, nos provocando reflexões sobre como somos suscetíveis e pequenos. Não controlamos nem mesmo as nossas respostas aos acontecimentos, quanto mais os fenômenos em si. Somos crianças que acreditam estar seguras dos monstros apenas porque deixamos o abajur aceso.

Comentários

  1. "(...) mesmo se eu quisesse destruir essa árvore eu não conseguiria. Mas o vento, o vento que é bem mais forte e superabundante poderia dobrar e destruir ela por inteiro. Somos moldados e pertubados por mãos invisíveis."

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