Cartas íntimas #1

Grande amigo!

É sempre um prazer conversar sobre essas questões que, de tão íntimas, tornam-se parte de nós.
Eu também aprecio muito o silêncio, o retirar-se de toda a balbúrdia humana para organizar a mente e nos encontrar. As vezes vemos, ouvimos e sentimos tanto que acabamos nos perdendo de nós mesmos, é como se nos fundíssemos a toda a bagunça que nos cerca e a nossa identidade se esmigalhasse, produzindo dentro de nós uma estranheza a respeito de quem realmente somos quando as luzes se apagam e a festa acaba.Já olhou para o espelho e não se reconheceu? É dolorido. Parece que aquilo que nos constitui foi roubado e o corpo que vemos em nossa frente é apenas um receptáculo vazio que perambula pelo mundo procurando um pedaço da própria alma.
O silêncio auxilia a superar toda essa frenesi, nos conectando novamente com a nossa essência, com aquilo que faz nós sermos quem realmente somos. Eu já pensei bastante em virar monge, mas apesar de ter desistido da ideia eu continuo achando essa vocação belíssima. Já ouviu falar na regra de São Bento? Ele definia a vida monástica em uma expressão simples, mas muito rica: orare et labutare (orar e trabalhar). Orar para permanecer em constante comunicação com Deus e consigo mesmo; Trabalhar para se manter frequentemente à disposição do outro. Atualmente isso pode soar piegas e ultrapassado, mas acho que o mundo de hoje precisa se lembrar mais do que os homens antigos falaram e fizeram, pois nessas fontes há muito a se aprender.

De fato, o silêncio nos ensina a suportar. Suportar o outro, a vida, o choro, o riso e, principalmente, a nós mesmos. Somos como crianças chorando por uma dor que não sabemos de onde vem e nem pra onde nos levará, e essa falta de saber machuca, humilha e nos lembra da nossa condição de seres limitados e à mercê desse mundo que não sente pena de ninguém. Por isso é preciso ter ombros largos e fortes que nos permita suportar e não ceder. Todos nós somos Atlas, carregando o mundo nas costas e tentando não deixar que o peso nos leve ao chão.

Bom, meu amigo, fico por aqui. No mais, agradeço pela disposição em manter esse canal de diálogo e permitir essa troca de sentimentos, sensações e saberes. Em breve te escreverei novamente para falar sobre um dos melhores livros que já li nessa minha até então curta vida.

Abraços sempre fraternos,
Jessé.

Comentários

  1. Oi Jessé. Você me lembrou do porquê gosto tanto de ler a literatura cristã devocional clássica (obras como Confissões de Agostinho, Imitação de Cristo, de Tomas de Kempis) ou mesmo a literatura devocional atual (Richard Foster); leio pela ênfase desses autores na vida interior.

    Nossa geração é superficial em tudo, é um desafio hoje buscar pela profundidade em qualquer assunto ou esfera da vida; e o silêncio é sem dúvida um bom começo, como você disse, para organizar a mente e nos encontrar, e talvez ouvir Aquele que nos criou.

    Achei interessante o que disse sobre se olhar no espelho. Isso acontece muitas vezes com as fotos também. Ver uma foto nossa publicada ontem no Instagram por exemplo e sentir uma estranheza e um vazio (por isso que publico fotos quase só dos meus livros rss)

    Enfim, um abraço.

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    1. Olá, Kelly!

      Sim, os textos clássicos do cristianismo são incríveis! Sou fã de Santo Agostinho, hehe, e é indizível o prazer de ler as obras desses caras. Parece que entramos em contato com algo belo da humanidade que se perdeu nesses tempos sombrios em que vivemos.

      No mais, muito obrigado por ler esse post e comentar!

      Grande abraço!

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